Pesquisa do Instituto Peregum e do Projeto Seta identificou que 81% dos brasileiros consideram que o país é racista. Mas apenas 11% afirmam ter atitudes discriminatórias. A sondagem ouviu 2.000 pessoas maiores de 16 anos em 127 municípios brasileiros.
Para analistas sociais, os números mostram uma negação da sociedade brasileira em se assumir racista, o que reflete na opressão contínua do negro, pois naturaliza a ação criminosa.
De acordo com Christian Rocha, presidente do Inaô-AM (Instituto Nacio Afro Origem Amazonas), a morosidade na ação judicial dificulta a punição no menor tempo possível, fortalecendo o discurso racista dos criminosos que se sentem à vontade para praticar o crime.
“A preocupação não é com a Lei, mas a sensação da impunidade. Quando os operadores do direito adquirirem uma ótica respeitosa, eles vão entender que a demora e a falta de celeridade nos processos passam ao infrator a sensação que tudo pode, principalmente se for negro”, afirmou Christian.
“A falta da aplicabilidade da lei a luz do nosso ordenamento jurídico faz com que se autorize, ou entregue ao racista uma carta de autorização para praticar o que quiser pois ele terá a certeza de que não sofrerá as sanções”, acrescenta.
De janeiro a junho deste ano foram registradas 1.017 denúncias de racismo e 934 de injúria racial. Os dados são do Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, disponibilizado pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, que reúne indicadores de denúncias fornecidos pelos estados.
Segundo a SSP- AM (Secretaria de Estado de Segurança Pública do Amazonas), foram registradas 125 ocorrências de injúria racial no primeiro semestre de 2023. No mesmo período do ano passado, foram emitidos 25 Boletins de Ocorrência.
Apesar da incidência de casos, o dirigente do Inaô considera que houve conquistas jurídicas que tornam o combate ao racismo mais prático.
“A sociedade brasileira não esperava a resistência do movimento negro, a resistência de pessoas que mudaram o contexto desse país e vem mudando. A verdade é que os racistas já não aguentam mais tantas verdades e tantas pessoa conscientes do seu lugar de fala, sendo cirúrgicas e diretas, sobre o racismo e a lei, sobre a ausência de políticas públicas”, diz Christian Rocha.
Para o ativista, a resistência do movimento ampliou e estimulou a defesa dos direitos da população negra que pode ser vista hoje em leis, como a de igualdade racial.
A Lei da Igualdade Racial [Lei n° 12.288/2010] estabelece a proteção dos direitos étnicos individuais e coletivos e o enfrentamento ao racismo e às demais intolerâncias étnicas. Além de ser dever do Estado e da sociedade o reconhecimento “a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais”.
A lei é rigorosa, mas não há efetividade
Para Ana Carolina Amaral, advogada e presidente da Comissão de Igualdade Racial e Conselheira Estadual da OAB/AM, a sensação de impunidade é fruto da falta de efetividade no campo legislativo e judiciário que não cumprem com os requisitos da lei.
“A exposição dos casos de racismo não faz jus ao nível de violência que a população negra sofre no Brasil. Por isso, nós temos que ter efetividade no enfrentamento. O preparo dos policiais, dos promotores de justiça, instituições que lidam diretamente com vítimas de racismo. A sociedade toda precisa se preparar para esse enfrentamento, não basta a gente só falar, denunciar, mas a gente tem que efetivamente adotar condutas que mudem esse cenário de forma definitiva”, diz.
Ana Carolina afirma que também é necessário o investimento em políticas públicas e o fornecimento de aparato estatal para atender às necessidades da população negra e que repare os danos causados pelos racistas.
“Para além de legislação, precisamos ter um público preparado para atuar nas situações penais. Precisamos de um Judiciário preparado para lidar com esses casos. Precisamos de grupos de assistência social. Equipes multidisciplinares. Também empregabilidade paras as pessoas negras. Políticas de inclusão de pessoas na universidade. Pois, não é só uma lei que criminaliza o racismo, mas também o que combate o racismo na sua origem”, afirma a advogada.
“Não adianta ter uma legislação rigorosa se não houver uma efetividade paralela de todos os órgãos envolvidos nesse processo de apuração, investigação, de instrução processual, de eventual condenação e de cumprimento dessa pena. Se esses órgãos não caminham juntos, não há efetividade na lei. Então, é preciso estruturar e paramentar melhor as instituições que atuam direto e indiretamente no enfrentamento dessas violências”, acrescenta.
Outra lei, a de nº 7.716/1989, tipifica o crime de racismo a partir de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Em janeiro de 2023, também houve mudanças na legislação que agora equipara o crime de injúria racial ao de racismo. Logo, a pena para quem comete injúria racial que era de um a três anos, passou a ser de dois a cinco anos de reclusão.
Não será mais possível responder ao processo em liberdade com o pagamento de fiança, o que também não é permitido no caso de racismo. No Brasil, 54% da população brasileira é negra.
(Colaborou Soraia Joffely)
Fonte: Amazonas Atual – Nenhuma violação de direitos autorais pretendida